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Poesia sob controle da audiência

Recentemente tive conhecimento de um autor aqui da região chamado Marcelo Ariel. Ele lançou um livro chamado “Tratado dos Anjos Afogados” em que registrou os poemas compostos em seus vinte anos de carreira. Uma das características do autor é que o que ele escreve é bastante alternativo. Conversando com um professor de redação, a característica de misturar diversos elementos inusitados faz de Marcelo Ariel um autor interessante. Num mesmo poema ele mostra influência de Platão, filmes da moda, eventos da história mundial e situações cotidianas. Aí perguntei pro professor por que isso é interessante e ele disse que este é um jeito diferente de escrever, sem compromisso com os estilos literários e poéticos. Isso me fez pensar no controle da audiência modelando o comportamento de um escritor.
Veja um dado curioso da vida do Marcelo Ariel. Ele começou a escrever na época quando ajudava a mãe nos cuidados de um irmão esquizofrênico. Os dois iam para a biblioteca de Cubatão, Ariel lia de tudo e escrevia algo para o irmão ler. O irmão, esquizofrênico, fica sob controle de estímulos que apresentem relação de oposição (minha leitura comportamental da esquizofrenia, tradicionalmente descrita como uma cisão com a realidade), ou seja, vai ouvir e atentar para aquilo que for diferente, diverso, sem coerência, sem lógica. Supondo que a atenção do leitor é o reforçador para o comportamento de escrever, e que o leitor em questão atenta para aquilo que exibe oposições, poemas “mix” são selecionados.
É bem o oposto do que acontece com um literato sujeito à academia, por exemplo. A comunidade acadêmica está sob controle de todo o produto agregado das pessoas que se comportaram em milhares de anos da história da literatura. Várias formas de escrever já foram selecionadas e várias outras já foram extintas, sendo que o escritor hoje é reforçado quando escreve aquilo que esta comunidade específica aprova – e a coerência parece ser um critério tradicional para o reforço.
Este é o dilema de Marcelo Ariel, se sua audiência o modelou a escrever poemas esquizofrênicos, ele não pode ser compreendido pela academia da literatura. Porém, o terceiro nível de seleção também está sujeito a alterações. Uma vez que uma variação passe a contribuir para a comunidade obter reforço (no caso, pela denúncia questões sociais relevantes, reforço negativo), tal prática cultural pode ser selecionada. Poemas esquizofrênicos que contribuam para o alívio do sofrimento humano pelo apontamento de dilemas sociais podem vir a ser importantes e impactantes. Talvez por isso o professor de redação a que me referi no começo do post esteja interessado em comprar o livro de Ariel.
Se quiserem conhecer Marcelo Ariel, assita sua entrevista no programa Entrelinhas aqui.
Marcelo Ariel tem um blog, o Teatrofantasma, se quiser conferir, clique aqui.

Posted in Artigos.

2 Responses

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  1. Marcelo Ariel said

    Rodrigo, interessante sua abordagem, espero que você leia o TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS e possa aprofundar sua curiosa tese, que toca em questões abordadas por Lacan em seus escritos sobre James Joyce e Guy Debord em A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, não compreendo muito quando você chama os poemas de esquizofrênicos, seriam por exemplo os poemas de Robert Lowell e de Anne Sexton esquizofrênicos? Os quadros de Van Gogh se encaixam nessa “classificação”? Seria interessante se pudéssemos conversar de modo mais aberto e menos fantasmagórico sobre o assunto ( Este é um dos muitos limites da internet).
    Desde ja agradeço a atenção dispensada, como disse o cantor e compositor Renato Russo: “Obrigado por pensar em mim”… Existem muitos pontos do seu artigo ou comentário que certamente serão de algum modo iluminados por uma leitura atenta ao livro. Álias não acredito na dicotomia apontada por você em vários momentos, mas isso teria de ser desenvolvido em um diálogo mais aberto com O LIVRO E O AUTOR.
    Um abraço-blue

  2. Rodrigo said

    Olá, Marcelo!
    Que honra ter seu comentário em minha postagem! Fique mesmo muito contente.
    Por esquisofrênico, chamo o aspecto cindido, dividido, de conteúdos opostos que vi em alguns dos seus trabalhos. Pra mim não há qualquer crítica ou desvalorização nesta rotulação. Aliás, para a Análise do Comportamento, qualquer psicopatologia pode ser perfeitamente explicada pelas contingências de reforço, sendo que não há juízo de valor contra nenhuma.
    Quanto à sua discordância sobre o que considerei dicotômico, eu acho natural que você discorde. Provavelmente há aspectos semelhantes dos eventos aos quais você tem acesso. No caso, eles são dicotômicos para o leitor (como eu, por exemplo), e acredito que garentem a mágica de ler o seu trabalho.
    Aceito, desde já, um convite para um encontro! Adoraria conhecê-lo!
    Quanto ao seu livro, está na minha lista de prioridades pra quando eu puder ler algo por lazer! Mestrado é um problemão…
    Grande abraço.

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